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quinta-feira, 8 de novembro de 2007

O POLVO (17ª Parte)

Continuação

“(...) A sala de audiências estava repleta. Nas primeiras filas, os jornalistas disputavam os melhores lugares e as estações de televisão competiam pelos melhores ângulos. O povo comprimia-se nas quatro filas de bancos a si destinadas. Lá fora, nos corredores, lutava-se por uma aproximação à porta da sala de audiências, onde se posicionavam alguns repórteres radiofónicos, todos a entrarem em directo. Uma selva de cabos, dominada pelas copas mais altas dos microfones. «Fantástico», pensou o responsável pelas audiências de um canal televisivo em ascensão meteorológica (apontada assim por ter substituído os velhos apresentadores do tempo pelas melhores pernas da capital e arredores...). O carro celular travou a fundo e logo ali foi rodeado por outra multidão de jornalistas. Um deles era mesmo um conhecido pivot televisivo, que nesse dia trocara o conforto do bar onde costumava «aquecer» para o telejornal pela reportagem em directo e ao vivo. De colete de repórter bem apertado, foi ele quem conseguiu formular a primeira pergunta a José Guimarães: -Considera-se inocente ou culpado? Guimarães reconheceu de imediato o jornalista e até pensou pedir-lhe um autógrafo, mas não teve tempo para mais, pois foi empurrado por dois possantes guardas prisionais para o corredor de acesso à sala de audiências, onde entrou perseguido pelos jornalistas. -Vai fazer-se justiça! -gritava o chefe da equipa de advogados de Guimarães, o conhecido doutor Mário Taipas. Excepcionalmente, aquele era um julgamento com jurados, situação raríssima na história jurídica do País. Os advogados de Guimarães desconfiavam de uma certa conivência dos juízes com a polícia de investigação, pois aqueles eram tempos de limpeza geral das contas da nação, e nos últimos meses tinha ido tudo a eito. Para dar só um exemplo, até o ex-primeiro-ministro tinha passado dois dias na penitenciária geral... Os jurados eram sete e tinham apenas uma coisa em comum: não queriam estar ali. Impedidos de usar telemóvel durante o julgamento, os jurados imaginavam também o quão difícil ia ser viver durante meses numa pensão de duas estrelas sem água corrente nos quartos, que foi o melhor que um Estado depauperado de finanças conseguiu encontrar. José Guimarães exibia outro estado de espírito, ele que logo que entrou na sala deaudiências lançou um olhar sobre os homens e as mulheres que o iam julgar. «São minha gente», pensou, tentando sorrir para as câmaras e lançando um olhar cúmplice à mulher e à filha. Na sala de testemunhas, Reginaldo Teles e Galo da Costa não estavam tão tranquilos. -Reginaldo - disse, baixinho, o chefe -, não te esqueças do combinado... -Sim, chefe, esteja tranquilo, vou negar tudo do princípio ao fim... -Mas não te enerves. O Procurador vai armar-te algumas armadilhas. Faz de conta que não percebes a pergunta e diz «não sei» quando te parecer que te querem entalar. -Sim, chefe, mas e o cheque? -Qual cheque, porra! Não há cheque nenhum. O cheque não é teu, é aqui do presidente do Leça e foi entregue ao Guimarães como um simples empréstimo de capital. E isso, que se saiba, não é crime. -Não, chefe, mas e se o Guimarães abre o livro? -Isso está fora de hipótese. Tinha muito mais a perder do que nós, e ainda a semana passada entreguei dois mil contos à mulher dele... -´Tá bem, chefe, não se preocupe, vai tudo correr pelo melhor, não é, Senhor Manuel Lopez “Rodriguinhos”.
O presidente do Leça não estava tão seguro disso e falou alto de mais para o gosto de GC: -No meio disto tudo, quem se vai lixar ainda vou ser eu. Mas se for assim... -Calma, presidente, não vá mais longe. Você sabe muito bem que isto está controlado -corrigiu, de pronto, GC. -Sim, eu sei, mas um julgamento é sempre um julgamento e já ouvi dizer que o Ministério Público tem um trunfo na manga... -Ter um trunfo, pode ter. Mas não é de certeza o ás de trunfo. Desses eu tenho dois na manga -gabou-se GC, enquanto abria um dos jornais desportivos do dia e se ria com um título. -O fim do Império, dizem estes anormais -comentou. -Mais uma vez vou provar a estes tipos que quem faz as previsões sou eu... A Polícia Judiciária tinha conseguido, após longos meses de investigação, reunir provas suficientes para levar à barra do tribunal não só o árbitro José Guimarães mas também um conhecido presidente que podia arrastar consigo GC e Reginaldo. A acusação teve mesmo a ousadia de nomear estes dois últimos como testemunhas de acusação de Guimarães. A ideia era clara: de uma só cajadada, juntavam-se todos os coelhos na mesma toca. E podia ser que um tiro para o ar conseguisse abater o chefe da corja. O certo é que depois da investida da PJ, Galo da Costa ficou mais frágil. O escândalo tinha sido enorme e já ninguém duvidada da existência de uma poderosa organização que fabricava resultados e distribuía dividendos por muita gente. Para se safar da contenda, GC teve de se apoiar em muita gente. Pedir pareceres jurídicos. Dar a conhecer um pouco da sua vida. Claro que foi ajudado por pessoas importantes e bem colocadas, mas, não obstante tudo terem feito para uma defesa bem alicerçada, foram tomando conta da situação e, em cada passo dado, GC tornava-se mais refém dos amigos que o apoiavam. Os advogados mais directamente ligados a ele, para além dos milhares que foram facturando, passaram a ocupar lugares de relevo em toda a estrutura do nosso futebol, somando vencimentos que fariam inveja a um qualquer ponta-de-lança que semana a semana leva atrás de si muitos milhares de amantes do futebol. Eram verdadeiros artistas na arte do embuste, e a ausência de carácter e de coluna vertebral ainda mais os assemelhava a autênticos répteis (...)”.

Continua

Nota: Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência


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