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quarta-feira, 25 de julho de 2007

O POLVO (12ª Parte)



Continuação

”(...) Já depois dos 90 minutos regulamentares, uma das equipas, não incluídas no seu«pacote», e que jogava a norte, marcou o golo que lhe garantia a permanência. A aposta de Reginaldo Teles tinha falhado. Jogadores, treinadores e dirigentes nem queriam acreditar, e o presidente do clube que tinha dado os tais 50 mil contos para não descer evaporou-se durante mais de três semanas. Claro que depois choveram as desculpas e inventaram-se as maiores jogadas para encobrir o desastre. Reginaldo Teles, depois da tempestade, prometeu que na época seguinte esse clube subiria - e de facto, subiu, muito embora com um investimento menor. Era necessário salvaguardar a imagem para que o negócio não se perdesse, mas para tapar esses buracos houve outros investimentos que falharam. Por exemplo, numa tentativa de subida da 2ª Divisão B à Honra, fez-se também um grande investimento que, tal como o outro, não resultou precisamente na última jornada. Havia dois clubes com possibilidades de serem promovidos. Um deles estava a ser protegido por Reginaldo Teles e a sua organização, o outro vivia da habilidade de alguns dos seus dirigentes que se mexiam bem no seio da arbitragem e conheciam por dentro o negócio. Na última jornada, o clube que estava protegido por Reginaldo ia jogar a casa de um adversário cujo resultado já não contava para nada. O árbitro desse jogo tinha a promessa de que iria ser internacional, e Reginaldo garantiu que este estava controlado. O presidente do clube que queria subir prometeu mesmo uma prenda à mulher de Reginaldo Teles, caso o seu clube fosse promovido: -Ofereço-te um BMW novinho em folha. Eu sei que gostas deste carro, e o Reginaldo não se importa que eu te dê esse prenda. Lisa arregalou os olhos de contentamento e não mais deu descanso ao seu homem: -Vê lá o que andas a fazer. Ele tem que subir. Eu quero aquele BMW. Só que os outros não andavam a dormir. Tinham a situação controlada para o jogo que iam disputar em casa e a aposta tinha de ser feita no jogo com o outro adversário candidato à subida. Na semana que antecedeu esse jogo, já se sabia quem iria ser o árbitro do encontro. Era do Alentejo, terra onde abundam sobreiros e cortiça, e tal como o tal clube era de uma terra onde se fabrica muita rolha; através de um emissário foi dada uma palavrinha ao tal árbitro, mas a proposta no valor de 10 mil contos, foi prontamente recusada. Este foi o sinal de que o árbitro já estava feito com Reginaldo Teles, porque em relação à sua honestidade não havia rolhas que tapassem o fedor que ali se guardava... Só havia uma solução para combater a estratégia de Reginaldo Teles. Os homens da cortiça contactaram o clube a quem o resultado pouco interessava e, como os seus jogadores tinham os vencimentos em atraso, ofereceram-lhes 20 mil contos para ganharem. Era muito dinheiro, e ninguém resistiu à proposta. No dia do jogo, os homens da cortiça lá estavam com a verba combinada: 10 mil contos em dinheiro, trocado no dia anterior no casino por cheques e outros 10 mil em papel com garantia de altos dirigentes federativos da zona centro do País. Ávidos pelo dinheiro que lhes estava a ser oferecido, os jogadores nem pensaram duas vezes, e as habilidades do árbitro não foram suficientes para combater toda aquela (falta de) ambição... Reginaldo Teles tinha perdido mais uma aposta. Tinha falhado mais uma promoção. Fez, no entanto, os seus negócios e ganhou dinheiro com isso. Só mesmo a Lisa é que ficou sem o seu BMW. -Puta que te pariu, Reginaldo! Como se não bastasse o facto de não me foderes, ainda me fazes andar de Opel! - gritou Lisa, depois de mais uma «nega» do marido, numa noite, ainda para mais, de lua plena... -Desculpa, filha, acho que bebi de mais! -adiantou Reginaldo, antes de rolar os olhos rumo a um sono sem sonhos, os seus preferidos.

Apesar de falhas bem visíveis na organização, Reginaldo Teles continuava a usufruirde uma excelente reputação no negócio das arbitragens. A máquina estava bem montada, e os perdedores eram levados a acreditar que era praticamente impossível controlar todas as situações de forma a garantirem a vitória. Reginaldo defendia-se afirmando que, se o processo não fosse falível, acertava todas as semanas no totobola. As pessoas conheciam os pormenores da organização e sabiam que o risco de erro era mínimo, mas existia...Reginaldo Teles controlava várias áreas adjacentes ao mundo do futebol e sempre era melhor estar de bem com ele do que tentar lutar contra a sua estrutura. O negócio de corrupção já há muito tinha ultrapassado a arbitragem, encontrando-se instalado noutros sectores. Por vezes, controlar o árbitro não chegava e também era verdade que, nem todos os árbitros se deixavam enredar na teia bem urdida por Reginaldo e George Gomes e, por isso, tornava-se necessário alargar o campo de acção a outros sectores e a alguns jogadores que, na ânsia de arranjar melhores contratos, alinhavam em favores extra. Valia tudo para se servir o melhor possível o cliente. Reginaldo e George Gomes tornaram-se especialistas na tramóia. Tinham toda a cobertura possível do clube que representavam. Aos poucos, os dirigentes dos outrosclubes ficavam dependentes da sua acção e dos seus serviços. No início de cada época, era elaborada uma lista de jogadores a emprestar pelo clube de Reginaldo, e os primeiros a ter acesso a essa lista eram aqueles que se comprometiam a ser os melhores clientes, depositando milhares de contos nos cofres da organização. Destes dividendos, o clube não via nem um tostão, e por isso é que alguns dirigentes com maior estatura moral, ao aperceberem-se que alguns parasitas viviam à conta do seu clube, abandonavam as suas posições, não deixando de comentar: -Isto é impossível. Um clube com tanta dignidade vive rodeado de chulos. É quem mais se orienta. -É preciso ser-se maluco para depender exclusivamente de um pé-descalço e de um mentecapto. -O melhor é sair do barco, senão ainda vamos ao fundo com ele e se isso acontecer já ninguém nos arrancará do lodo... Até o Ilídio, que já tinha investido milhares de contos no clube do seu coração, deixou de acreditar que, algum dia, poderia vir a ser «vice» do futebol profissional e deixou de contribuir quando era chamado a apagar alguns fogos de ordem económica. E gabava-se disso, sem tentar esconder a sua posição: -Deixei de ser burro. Era o que faltava, andar aqui a ganhar honestamente o meu dinheiro para sustentar estes chulos. Se falta dinheiro, que o ponha lá quem o ganha à custa do clube. Se derem 10 por cento do que ganham à nossa custa, já podem acudir a alguns fogos. Sempre é melhor deixarem o dinheiro no clube que os sustenta que deixá-lo no casino. Ilídio sabia que tinha peso entre os adeptos, pelo menos desde o dia em que resolveu pedir a sua demissão de dirigente e, ao contrário de que aconteceu a outros, Galo da Costa se apressara a fazer com que ele regressasse. Gostava de ser campeão todos os anos, mas não apoiava os processos utilizados por Reginaldo e muito menos, ao contrário de outros, deixava que a sua mulher se misturasse com a Lisa nas viagens ao estrangeiro.
Reginaldo Teles ganhava apoiantes entre aqueles que comiam algumas migalhas do seu bolo. Como era conveniente, controlava alguns delegados técnicos, montando um sistema de protecção aos árbitros que com ele colaboravam. Servia-se do seu clube para se insinuar perante os membros do Conselho de Arbitragem, deixando no ar promessas que raramente eram cumpridas. A chantagem era o trunfo mais utilizado na intimidação das pessoas que se deixavam levar por alguns processos menos claros e que, depois de entenderem que pouco ganhavam com isso, manifestavam a intenção de sair da organização. Esses processos, na maior parte das vezes, eram utilizados contra jogadores que se deixavam corromper e que, depois de se sentirem enganados com falsas promessas, se recusavam a aceitar um segundo negócio. Também havia aqueles que, não querendo alinhar no sistema de corrupção, quando contactados, se recusavam a tal. Esses eram constantemente ameaçados e só com muita dificuldade arranjavam novos clubes depois de terminarem os seus contratos. Era a política do medo que se exercia sobre jogadores e dirigentes. Quem contrariasse Reginaldo, sentia que estava a contrariar GC, e o resultado era quase sempre funesto. As pessoas sentiam que lhes estavam a sonegar dinheiro, mas não tinham coragem para se impor. Sabiam por experiência que não era muito saudável alguém voltar-se contra quem manda no futebol. A arrogância com que a dupla GC-Reginaldo actuava e a ditadura que impunham provocava até situações ridículas, mas nada era feito ao acaso. Um dos exemplos disso estava num dos anúncios transmitidos semanalmente pelo Totobola. Nesse anúncio surgiam golos de várias equipas, e como o clube de GC tinha sido esquecido, o próprio presidente contactou a Santa Casa e fez saber que, se não incluíssem num desses anúncios um golo do seu clube, ele mesmo faria uma campanha anti-Totobola. A chantagem valia para tudo, mas GC era também mestre na simpatia, e quando lhe convinha atingir determinado objectivo, se fosse necessário, tornava-se até subserviente. GC e Reginaldo tinham personalidade muito idênticas que se dividiam entre o anjo e o demónio, e por isso é que se entendiam bastante bem e existia uma confiança sem limites entre ambos. GC era o mentor, e Reginaldo o executor. George Gomes queria imitá-los, mas as suas limitações não lhe permitiam longos percursos nessa área. Explodia com muita facilidade e, como não tinha a noção do ridículo, deixava cair a máscara e denunciava a sua real personalidade. Também era verdade que lhe cabia assumir os papéis de maior desgaste. A organização era superiormente constituída e soberbamente organizada. Escolhia os árbitros de personalidade mais frágil para patrocinarem os escândalos nos jogos onde era necessário vencer a qualquer preço e, depois de utilizados, quando já não possuíam qualquer tipo de credibilidade, esses mesmos árbitros eram abandonados e abatidos ao efectivo. Alguns treinadores também se deixaram possuir pela vida fácil de arranjar emprego, entregando toda a sua carreira à responsabilidade de Reginaldo Teles. Ele é que os colocava, mas sempre com o objectivo de conseguir novos clientes. Muitos deles sujeitavam-se ao desemprego durante meses a fio, para esperarem a oportunidade e a ordem dada por Reginaldo. Quando surgia um elemento endinheirado à cabeça de um clube, Reginaldo não perdia tempo. A carreira desse clube começava a sofrer oscilações, até que o presidente era aconselhado, através de um sinal subtil de boa vontade, a mudar de treinador. O acaso proporcionava encontros programados à distância com elementos ao serviço de Reginaldo: -Com esse treinador não vai a lado nenhum. Arranje outro enquanto é tempo. -Não é assim tão fácil como isso. Não há por aí treinadores aos pontapés, e também é necessário pagar-lhes - reagia o presidente, em situação de desespero. -Ó homem, fale com o Reginaldo que ele arranja-lhe um gajo com capacidade. Ele é que controla isto tudo. Estou a ser seu amigo, não ganho nada com isso!
Muitos desses presidentes não agiam de imediato, mas, como os bons resultados teimavam em não aparecer, acabavam por seguir o bom conselho daquele amigo tão providencial. Caíam que nem patinhos na teia que lhes tinha sido estendida. Depois de contactado, Reginaldo colocava a máscara do amigo, do proteccionista que age sem qualquer tipo de interesse. Um autêntico bom samaritano. -Vou arranjar-lhe um treinador de cinco estrelas. Não se preocupe que a partir de agora vai correr tudo muito melhor - garantia aos presidentes mais conhecidos, nos intervalos de algumas beijocas e outras tantas mamadas de algumas especialistas pagas a peso de ouro. Uma semana depois de o novo técnico estar ao serviço desse clube, surgia o conselho tão desejado para os presidentes mais inexperientes: -Tem de começar a aparecer no bar do Reginaldo mais vezes. Ele é um gajo porreiro. E lá é que se resolvem todas as situações. Tentando rentabilizar o investimento que já tinha feito, o «homem» era recebido como um marajá. Lisa encarregava-se de lhe colocar na mesa uma ou duas das suas melhores mulheres. Reinaldo dava ordem para que o serviço de bebidas não falhasse e, para não dar nas vistas, naquele primeiro dia a conta era arredondada para baixo e elevados os carinhos proporcionados pelas raparigas. O dirigente saía satisfeito, e até comentava com os seus colegas: -O Reginaldo é um gajo porreiro. Meteu-me duas mulas na mesa boas como milho, e no final a conta foi uma merdita. O pior acontecia nas visitas seguintes. Iludido com tamanha amizade, o dirigente tornava-se cliente assíduo e, para não parecer mal andar no putedo, sempre tinha a desculpa de que ia tratar de negócios com Reginaldo. Este, por seu lado, só tinha deesperar até que a vítima ficasse definitivamente presa. As bebedeiras sucediam-se, e alguns chegavam até a mijar-se pelas pernas abaixo para descontentamento das mulheres que os tinham de aturar, mas Reginaldo não tinha contemplações quando alguma das suas empregadas se queixavam que já não aguentavam mais micções ou vomitados daqueles pacóvios que estavam ligados ao futebol. -Coitados, nunca saíram de casa e agora bebem dois copos e cagam-se todos. Reginaldo Teles não gostava desse tipo de comentários e cortava-os pela base: -Se não queres trabalhar, fala ali com a Lisa que ela faz-te as contas e vais com a Nossa Senhora. As putas bem se lamentavam, porque com os dirigentes do futebol as suas comissões diminuíam, pelo menos nos primeiros tempos, dado que a intenção não era esmifrá-los, como faziam aos outros clientes, mas cativá-los para operações bem mais proveitosas para o... patrão. -Estás a mangar? O que ele quer é embebedar os perus... -Não tenho pena deles. Tenho mais pena de mim. Ando aqui a dar tudo o que tenho, e o que ganho com esses pavões nem dá para a cabeleireira. -Tem paciência, Vanhia. Pode ser que ainda venhas a casar com um jornalista desportivo, como eu... (...)”.

Continua...

Nota: Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência.

1 comentário:

Kramer disse...

Boas!
Apenas para vos convidar a "festejar" connosco no Controvérsias do Futebol o nosso 3º aniversário!
Apareçam!

http://controversiasdofutebol.blogspot.com/