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quinta-feira, 26 de julho de 2007

O POLVO (13ª Parte)

Continuação

“(...) As putas já estavam resignadas.
Chegada a hora de o abutre picar sobre a carcaça, Reginaldo começava a gerir a situação, dando toda a cobertura ao clube cujo treinador lá tinha colocado. As tabelas eram feitas mediante os escalões em que os clubes militavam e, como normalmente as coisas melhoravam de imediato, toda a gente se sentia satisfeita. O presidente tornava-se um bom cliente, diminuindo o orçamento para a contratação de jogadores e aumentando a verba de despesas confidenciais que iam direitinhas para os bolsos de Reginaldo. A qualidade do futebol decrescia também, porque já não era necessário investir-se em bons profissionais, mas sim nas habilidades e manobras de bastidores. Os dirigentes não escondiam essa situação: -Que importa ter bons jogadores se não ganhamos?!... À parte tudo isto, os treinadores colocados por Reginaldo também alinhavam em várias jogadas, principalmente nos finais de campeonato. Quando não estava em causa o resultado para uma das equipas cujo treinador fazia parte da carteira de Reginaldo, era fácil pedir-se-lhe a derrota para beneficiar um outro cliente. Todos ganhavam dinheiro com isso. O sector do futebol júnior também foi transformado num grande negócio através do empréstimo de jogadores e, por isso, logo cobiçado pelos familiares de Reginaldo. Os clubes que eram beneficiados com esses empréstimos, para além de usufruírem de imediato de proteccionismo relativamente às arbitragens e de terem de pagar magros vencimentos aos atletas, tinham de passar cheques cujas verbas iam até aos 5 mil contos sempre em nome de Reginaldo Teles e nunca em nome da colectividade.
O clube que se tornou melhor cliente de Reinaldo andava já há algumas épocas a tentar a subida à 1ª Divisão e já tinham investido muitos milhares a partir do bar gerido pela Lisa. Mas depois de ver frustradas as suas acções e de ter gasto muito dinheiro, um dos seus dirigentes resolveu ter uma conversa com Reginaldo Teles e, sem preâmbulos, foi direito ao assunto: -Já andamos há algumas épocas a investir e ainda não conseguimos nada. Desta vez tem de ser. Digam lá quanto é que é necessário para subirmos de divisão. Reginaldo Teles afagou o bigode, pensou, e só depois disse num murmúrio de grande cumplicidade: -Se vocês querem mesmo subir, vamos ter de apostar forte. -E essa força quanto nos custa? -Não é esta a altura para vos dar uma resposta. Vamos estudar o problema e depois falamos. Reginaldo Teles teve então uma conversa com Galo da Costa, colocou-lhe o problema, e este não esteve com meias medidas: -Se eles querem subir, vão ter de pagar bem por isso. Naquela zona há muito dinheiro. Anda tudo bem calçado. Estabelece uma verba de 250 mil contos e divide isso em quatro ou cinco tranches. -Mas, presidente, isso não é muito dinheiro? -Não, não é, atira com essa verba e se eles não forem na fita baixa um pouco a fasquia, mas não muito. Reginaldo e George Gomes marcaram encontro com os interessados e, após uma curta discussão, ficou acordado que essa verba seria de 200 mil contos divididos em quatro tranches de 50 mil contos. O certo é que, após vários escândalos - jogos houve nos quais foram marcadas três grandes penalidades... - , esse clube acabou por subir ao grande palco do nosso futebol, e ninguém fez menção de fazer segredo de que os grandes responsáveis por essa subida foram Reginaldo e GC. Aqui o segredo nem sequer era a alma do negócio, muito pelo contrário, era necessário que toda a gente soubesse para incentivar novos clientes. Uma autêntica operação de marketing. -Reginaldo, isto é muito melhor que jogar na roleta! - atirava GC, enquanto se deliciava com mais um extracto bancário. -Sem dúvida, presidente, mas agora que falou nela, já me está a dar um formigueiro nas mãos. -Oh, não!...
Toda a gente sabia que Galo da Costa vivia do futebol e essencialmente do seu clube, mas ninguém se arriscava a comentar o facto publicamente. Não se lhe conhecia mais nenhuma actividade e muito menos tinha fortuna pessoal, mas não obstante estes factos, vivia como um milionário. Comprava apartamentos de grande luxo para familiares e denunciava sinais exteriores de riqueza. A sua vida era um mistério que ninguém ousava desvendar. Numa reunião de direcção, Galo da Costa colocou com toda a frontalidade o seu problema económico. Ele tinha consciência de que aquilo que impunha era aceite, e ninguém ousava comentar. Já passava das 22 horas, quando entrou pela sala de reuniões. À sua frente estendia-se uma mesa larga e comprida com os cantos arredondados. À sua volta estavam sentados oito dirigentes discutindo entre si vários problemas de menor importância, mas quando sentiram a porta a abrir-se, viram Reginaldo Teles com o puxador na mão a dar passagem a GC, que entrou com um sorriso nos lábios, logo seguido do irmão de Reginaldo, cuja postura física e comportamento se assemelhavam aos de um gorila. Toda a gente se levantou para cumprimentar o presidente. Reinaldo tropeçou na alcatifa e, não fora a acção rápida de Ilídio Pintas, a segurá-lo pela gola do casaco, ter-se-ia enfiado por debaixo da mesa. GC largou um sorriso, e em tom de brincadeira comentou: -Reginaldo, estão a tirar-lhe o tapete? Toda a gente riu, mas Reginaldo é que não achou piada nenhuma. Todos se sentaram, e Galo da Costa apresentou de imediato a sua proposta: -Meus senhores, aqui neste clube os vencimentos vão ser atribuídos conforme as responsabilidades. A pessoa mais responsável é sem dúvida o presidente. Concordam? Os presentes na reunião olharam-se entre si e, sem perceberem muito bem o que GC queria dizer, acabaram por concordar, muito embora se mostrassem hesitantes. Mas, ao aperceber-se da situação, Reginaldo fez da sua voz a de toda a gente: -Claro que ninguém tem dúvidas que a maior responsabilidade pertence ao presidente. Como ninguém se atreveu a contestar tal afirmação, GC, sem mais delongas, expôs a sua posição: -A partir de agora, o presidente vai ganhar sete mil contos por mês, o treinador seis mil e depois seguem-se os vencimentos dos jogadores, sem luvas e prémios, está claro. Os presentes estavam à espera de tudo, menos de uma situação como aquela, e dois«vices», sem soltarem uma única palavra, levantaram-se da mesa e saíram. GC não se preocupou com o facto, tinha-os na mão e sabia que ninguém tinha tomates para falar. Enfrentando os que ficaram, não deu hipótese a que ninguém mais recuasse: -Então, como este ponto está aprovado, passemos a outro! Ouvia-se a chuva que batia nos vidros. Reginaldo bem tentou dar vida à reunião, mas o seu vocabulário não lhe permitiu ir além de uns monossílabos completamente desenquadrados de toda aquela situação: -Bem...hum...hum...pois... A reunião, por motivos óbvios, acabou depressa. Um raid de comandos não seria mais fulminante.
O suporte económico de GC estava a consolidar-se. Sabia-se da sua ligação camuflada à agência de viagens, da sua comparticipação nos lucros e actividade da Olivedesportivos e ultimamente até tinha comprado um jornal, um elemento indispensável para dar a cobertura nacional necessária aos seus mais variados negócios. A corrupção era uma fonte de receita inesgotável e sem impostos. Mas como não assumia publicamente -nem o podia fazer - nenhum destes negócios, tinha sérias dificuldades em explicar de onde lhe vinha a fortuna. Não se preocupava muito com isso. Ele sabia que tinha várias espécies de argumentos para fazer calar quem ousasse pedir explicações. Era um homem com a resposta sempre na ponta de uma viperina língua. Tudo estava devidamente controlado e de nada adiantava aos clubes da capital lutar pelo poder dentro das estruturas do futebol. GC sabia, há muito, que a força do dinheiro combatia tudo, e as lutas regionais e clubistas superavam-se com facilidade, com sexo e com dinheiro. E nestas áreas estava tudo mais que garantido. Nos momentos decisivos de eleições federativas, era ele quem controlava todas as situações, tendo com referência a ajuda preciosa de Ariano Pinto, um estratego de alto nível e um exímio jogador de sueca. Ariano Pinto era homem para deixar o adversário sem vazas, mesmo quando este só tinha trunfos, passe o exagero. Ariano e GC escolhiam os lugares que mais garantias lhes davam para a continuidade dos seus vários negócios, mas, como não podiam escolher todos os lugares, autorizavam mesmo que alguns mais importantes caíssem nas mãos dedirigentes ligados aos seus mais directos rivais. Não seriam necessários mais de dois meses após o acto eleitoral federativo para que se tornasse claro que os dirigentes indicados pelos clubes da capital já estavam do lado de GC. Mestres na arte da corrupção, proporcionavam vidas faustosas aos dirigentes inimigos(?), e a clubite era de imediato esquecida. Era normal ver-se um presidente federativo ao lado do clube de Galo da Costa, quando este tinha de enfrentar algumas dificuldades e, sabendo-se que esse dirigente se afirmava de determinado clube da capital, nunca ninguém se espantou por ele nunca aparecer ao lado do clube das suas cores para o defender. Pelo contrário, até surgiu um presidente lisboeta que se tornou mais nortenho que um galego! Os pontos-chave estavam todos controlados, para que a manobra fosse absoluta. Exageraram, no entanto, em algumas situações. A sede do poder subiu à cabeça de Galo da Costa, e os ataques ao Governo fizeram-se sentir com grande intensidade quando verificou que no campo político não era possível ter tanta cobertura como no futebol. A Procuradoria-Geral da República colocou a Polícia Judiciária em campo, e a acção contra a corrupção no futebol desenvolveu-se de uma forma intensa. Durante vários meses, Reginaldo Teles e George Gomes foram vigiados de perto, e os seus telefones ficaram sob escuta. Passado um mês, os agentes encarregados desta função já não tinham qualquer dúvida em relação à corrupção e aos negócios de Reginaldo Teles, mas as investigações continuaram. Os agentes testemunharam vários encontros de árbitros com Reginaldo e George Gomes. Ouviram várias conversas em código, mas que entendiam perfeitamente. A rede estava bem montada e tudo indicava que, mais tarde ou mais cedo, Reginaldo e os seus pares iriam cair nas várias armadilhas que lhes estavam a ser montadas. Galo da Costa estava fora dessa investigação. Não era fácil atacar-se um homem como seu poder. A polícia tinha de atacar por baixo para chegar lá acima, mas juridicamente o grupo estava bem organizado e bem escorado. Jogavam, de uma forma invulgar, com carências que a Lei apresentava no combate à corrupção. Seria fácil para a polícia chegar à conta bancária de qualquer um deles e pedir justificações para o movimento semanal de verbas tão volumosas. Mas tal não era possível. Os agentes encarregados da investigação viviam desesperados por não poderem provar aquilo que viam com os seus próprios olhos. Por isso, atrasaram as investigações, esperando uma melhor oportunidade que nunca surgia. Eles sabiam que, no momento que pedissem contas ou justificações, bastava um deles negar-se a fazê-lo para que o processo não avançasse. Eles sabiam, também, que quem tinha que provar que o dinheiro nas suas contas bancárias era ilegal era a polícia e não os acusados. Estavam de mãos atadas.(...)”.

Continua...

Nota: Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência.

1 comentário:

MAD*MAX disse...

E para quando o resto da história?

Saudações desportivas
SLB 4EVER