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terça-feira, 17 de julho de 2007

O POLVO (8ª Parte)

Continuação
”(...) GC estabeleceu então uma nova estratégia: -O Josef Veiga tem-se mostrado competente e capaz. Tem-nos dado muito dinheiro a ganhar, mas está na hora de se desfazer a sociedade. Joaquinas Oliveira não entendeu onde o presidente queria chegar e não hesitou em perguntar: -Mas não estou a entender. Se ele nos está a dar bom dinheiro, porque é que vamos desfazer a sociedade? Então explicou o seu plano: -Se desligarmos o Josef Veiga da nossa organização, simulando um desentendimento, ele fica mais livre para poder trabalhar com outros clubes, nomeadamente com os nossos maiores adversários. Com esta acção, para além dos lucros que daí podemos retirar, ficamos com a possibilidade de minar os nossos adversários por dentro. Ficamos com o campo livre para lhes vendermos jogadores com rótulo dourado, mas fora de prazo, e também podemos vender os seus melhores jogadores para clubes estrangeiros, criando, assim, focos de instabilidade ao mesmo tempo que se lhes diminui a força. Joaquinas Oliveira nem queria acreditar no que ouvia. Aquele homem era de facto um manancial de inteligência. Dois dias depois, estava desfeita a sociedade e, tal como fora previsto, Josef Veiga tornou-se num dos empresários mais conceituados da nossa praça.
Mas a completa organização do sector da arbitragem era o negócio que agora fazia perder mais tempo a GC. Reginaldo Teles tinha descoberto o ovo de Colombo e revelado jeito para controlar a situação. Com um tiro podia matar com facilidade dois coelhos. O seu clube não tinha dinheiro para andar a gastar em arbitragens, e a sua política nunca foi a de gastar, mas sim a de cobrar. Toda a gente sabia que ele não era homem endinheirado, e alguns dos que, nos primeiros anos, ainda ajudaram o clube quando se tornou necessário, agora fugiam a essa situação, porque se sentiam traídos com os negócios efectuados por GC. Era a velha filosofia de que era possível enganar toda a gente durante muito tempo, mas não sempre. Como gostava de dizer, «não corre mais o que caminha, mas sim o que mais imagina». Por isso, tornava-se necessário pensar sempre em novas estratégias. Quem emprestava dinheiro queria garantias, e o clube ia ficando hipotecado a essas situações, perdendo algum património sem que ninguém levantasse a voz para travar esse tipo de situações. Galo da Costa sentia-se inatingível. Estava acima do poder e até o desafiava, sem ser punido por isso. Tinha a força do seu clube por trás. As vitórias, os golos e as alegrias. Tudo era feito em nome do futebol. Galo da Costa sabia que tinha muitos inimigos, e não podia falhar dentro do relvado. O controlo sobre árbitros era a solução que mais garantias dava para que se continuasse a somar títulos, e Reginaldo Teles tinha a solução na mão, sem gastar dinheiro com isso, muito pelo contrário, ganhando milhares. Reginaldo limitou-se a deixar germinar o negócio. Não era necessário movimentar-se. As pessoas vinham ter com ele para estabelecer o primeiro contacto. Já não se negociava com prendas, mas com dinheiro vivo. Foi mesmo estabelecida uma tabela, mas George Gomes não estava muito de acordo. -Isso das tabelas não tem jeito nenhum. Os jogos têm de valer pela importância que têm. -És capaz de ter razão, mas aqui no bar está a dar muita barraca. Temos de falar com o presidente. Galo da Costa já se tinha apercebido da situação e também não andava muito satisfeito com a exposição pública. Havia que evitar uma devassa que, de dia para dia, se tornava mais fácil de empreender, principalmente da parte dos inimigos do costume. Ele mesmo era cliente assíduo do bar e não queria ser visto no local na companhia de árbitros e muito menos envolver-se directamente no negócio. -Vamos «lavar» a imagem que está a passar lá fora. Esta situação tem que ser alterada. Muito embora utilizes o teu bar para o primeiro contacto, combinas depois os encontros para o restaurante do teu primo. O local é mais decente, menos visto, e não é tão frequentado por gente do futebol. E sempre tem ao lado um bom jardim que dará sempre para meditar um bocadito... -Também acho que essa é a posição mais acertada. Vamos mudar isto, e já - concordou Reginaldo. Com uma organização mais eficiente, Reginaldo Teles elaborou uma carteira de árbitros seleccionados por preços, acessibilidade, categoria e forma de actuar. O prémio de cada favor era estabelecido conforme a importância do jogo, e de início, Reginaldo cobrava apenas um terço do estabelecido, mas, mais tarde, quando verificou que os seus favores eram cada vez mais requisitados, passou a cobrar 50 por cento. Ninguém discutia preços nem duvidava do empenhamento de Reginaldo Teles, que sempre que lhe era possível marcava a presença no jogo onde estabelecera o seu melhor negócio.
Mas o volume de pedidos cresceu tanto, que George Gomes começou a ser mais requisitado, entrando no negócio a todo o vapor. Enquanto Reginaldo assumia os seus compromissos e as suas responsabilidades no negócio, George Gomes estava mais virado para o lucro fácil. Fazia-se intermediário, cobrava a respectiva verba e nem sempre os árbitros viam a fracção combinada, o que dava origem a alguns protestos rapidamente silenciados com as ameaças do costume. George Gomes foi mais longe. Com a ambição de ganhar tudo, a maior parte das vezes nem sequer falava com os árbitros e esperava simplesmente que os resultados fossem favoráveis para ficar com a respectiva verba. O negócio até era muito mais rentável na 2ª Divisão. Os jogos eram menos vistos, os árbitros estavam menos expostos e toda agente queria subir. Foi num negócio entre duas equipas da 2ª Divisão que George Gomes foi pela primeira vez desmascarado nas suas vigarices. O árbitro era alentejano, mas tinha um compadre no Porto, proprietário de um restaurante. O lugar era típico e até se cantava lá o fado. Um representante de um dos clubes foi falar com o dono desse restaurante, levando uma proposta em carteira. -Sabemos que és compadre do Jonas Cravo, e ele vem apitar, no domingo. Não podemos perder. Tens de nos ajudar. -Está bem, eu falo com o homem. -Quanto é que achas que lhe podemos dar? -Mil contitos, mas 200 são para mim. -Tudo combinado. Trata do negócio. Passados poucos dias, o mesmo elemento desse clube surgiu no restaurante do compadre de Jonas Cravo para lhe dizer: - Não trates de nada, porque o meu vice e o meu presidente foram falar com o Reginaldo Teles, e ele garantiu que tratava do assunto todo. Para tratar disso, já ficou lá com dois mil contos. - Mas eu resolvia isso com mil. -Oh, pá, nem me quero meter nessa merda! Mandaram-me falar contigo e foram ao bar do gajo e ele sacou-lhes dois mil contos. Fiquei bera com isso e obriguei-os a prometerem-me que os teus 200 contos estão garantidos. -Tudo bem, não há problema. O Reginaldo que me telefone que eu trato do encontro. O homem vem de véspera e janta no meu restaurante. Na véspera do tal jantar, George Gomes telefonou ao dono do restaurante e combinou o encontro com o árbitro. Quando este chegou, foi logo posto ao corrente do que se estava a passar e esperou até quase de madrugada por George Gomes. Como este não aparecia, acabaram por desistir, embora mantendo a esperança de que ele telefonasse. Mas até à hora do jogo... nem um telefonema nem uma palavra. O clube que entregou os dois mil contos a Reginaldo ganhou, mas sem qualquer interferência do árbitro. No final, de regresso ao restaurante do seu compadre, o árbitro voltou a falar no assunto. -O George Gomes não me ligou nem disse nada. -São uns filhos da puta. Ficaram com os dois mil contos e nem sequer se dignaram a falar comigo. Esses gajos são burros como portas. Andam a dar dinheiro a esses chulos. De facto, os dois mil contos ficaram na posse da organização de Reginaldo, sem que este tivesse o mínimo trabalho ou interferência no desenrolar do jogo. E o dono do restaurante nunca mais viu os tais 200 contos. George Gomes sabia jogar com a situação e tinha consciência de que, como não se podia falar abertamente destes negócios, dificilmente se descobriria este tipo de vigarice.
Uma outra vez, no final de um jogo em que o árbitro foi um internacional nortenho, o presidente do clube que venceu acompanhou, no final da partida, esse árbitro ao seu automóvel e pelo caminho disse-lhe abertamente: -O George Gomes já falou consigo? -Comigo? Não. Porquê? -Eu dei-lhes três mil contos para si e ele garantiu-me que já lhos tinha dado. De súbito, começou a chover e, no momento em que o presidente desse clube saltava um charco de água e abria o guarda-chuva para abrigar o árbitro, ambos verificaram que George Gomes, embrulhado numa gabardina, se dirigia a eles. O árbitro não hesitou, e mesmo ali agarrou-o pelos colarinhos, enquanto lhe dizia: -Ó meu filho da puta, andas a governar-te à minha custa! -Tem calma, eu vinha agora trazer-te o dinheiro. O presidente resolveu então intervir, para evitar que aquilo se transformasse num escândalo. -Tenham calma. Vamos resolver isso civilizadamente. Você ainda me disse ontem que já tinha dado os três mil contos a este homem. -É que ainda não tive oportunidade de o encontrar. -Tem aí o dinheiro? - perguntou o presidente. -Não. -Então avise o Reginaldo Teles que amanhã vou ao bar dele e se não me devolverem os três mil contos, armo um escândalo que nem vos passa pela cabeça. Foram muitos os casos como este. George Gomes estava a comprometer o negócio com as suas vigarices, mas o certo é que Reginaldo lhe aparava todos os golpes, e GC começou a desconfiar que eles estavam feitos, muito embora não revelasse o facto para não perder a confiança de Reginaldo, muito menos agora, que ele lhe tinha apresentado a Mariana. Uma rapariga por quem se estava a apaixonar e para a qual até arranjou um emprego no clube. Semanalmente, eram muitos os milhares de contos que se movimentavam em negócios com os árbitros. Reginaldo Teles e George Gomes já evidenciavam sinais exteriores de riqueza. Os negócios eram realizados em dinheiro vivo, mas, quando isso não acontecia, também não havia problema para controlar a situação e não deixar vestígios. Reginaldo recebia os cheques, trocava-os no casino, levantava dinheiro na troca de fichas e entregava em dinheiro aos árbitros. Não deixava qualquer tipo de vestígio. No entanto, esta situação levou-o a viciar-se no jogo. Com alguns montes de fichas na mão, começou a não resistir à tentação de arriscar algum na roleta e perdeu muitas centenas de contos. George Gomes não gostou da situação e por diversas vezes tentou fazer com que o seu amigo deixasse o jogo. -Não gastes dinheiro nessa merda. Não vês que ninguém ganha, e quando ganha, no dia seguinte deixa-se o dobro. -Deixa lá. Isto dá-me gozo, e o dinheiro é dos camelos. Eu controlo a situação. Posto isto, apostou tudo o que tinha no preto. E ganhou. -O que é que eu te dizia, George?...
Galo da Costa e Reginaldo Teles tinham encontrado nos escalões inferiores as suas melhores fontes de receita nas negociatas directamente relacionadas com processos de corrupção na arbitragem. O nível dos dirigentes era mais baixo, e a vaidade dos endinheirados empresários que procuravam o futebol para evidenciarem a sua posição social estava a ser soberbamente explorada. Galo da Costa esfregava as mãos. -Como é fácil ganhar dinheiro no futebol. Quando assumi a presidência do clube, nunca imaginei poder chegar a esta situação e ganhar tanto dinheiro. -Mas, desta vez, veja lá se tem mais cuidado com os investimentos que faz. Siga o meu exemplo; gasto algum no jogo, mas estou sempre bem de vida - juntava Reginaldo Teles, sempre prudente. -Isso não é de admirar. O teu negócio dá sempre. Agora estás a ver-me a gerir uma casa de putas? Toda a gente me caía em cima. -Não é bem assim. Vejam o meu exemplo. Não é segredo para ninguém que sempre vivi à custa da prostituição. Sim, porque não tenho as gajas para andarem a fazer cócegas aos clientes e eu não ganhar nenhum. Ninguém vai ao meu bar beber um copo porque o whisky de lá é muito bom ou a música óptima. -Nisso tens razão. A maior parte do whisky que lá vendes até está marado! Só mesmo as gajas é que são boas. Por falar nisso, já há muito tempo que não me apresentas uma novidade. -E a Mariana? -Adoro aquela gaja. Pelo menos agora tenho-a junto a mim mais tempo e sem ninguém desconfiar de nada. Mas isso não quer dizer que não vá provando uma daquelas novidades que vão aparecendo. -Estou à espera aí de umas gajas novas que vêm da Rússia e hei-de arranjar-lhe alguma coisa. Mas, voltando à conversa anterior, não concordo muito consigo quando me diz que ter um bar de alternos é mau e que não dá prestígio. Você é testemunha de que esses gajos todos não me largam e estão fartos de dizer que sou um tipo porreiro. Até me querem fazer uma festa de homenagem. Não vê, nas viagens ao estrangeiro que fazemos com o clube, as mulheres deles a juntarem-se à minha sem qualquer tipo de preconceito?! Toda a gente sabe que é a minha mulher que gere as putas, que lida com elas todos os dias e, sabe uma coisa: mulheres dos nossos vices e de alguns dos acompanhantes que habitualmente nos seguem, fizeram-se grandes amigas dela e algumas até puxam conversa para saberem como é o ambiente no bar. Isto é um mundo de hipocrisia, e o que é necessário é saber viver nele. -Então eu não sei disso!? Eu levo muitas vezes a tua mulher aos jantares que os clubes estrangeiros nos oferecem, enquanto tu ficas com os jogadores. -Bem, mas aí eles não conhecem a Lisa. E ela até tem boa pinta.
Galo da Costa ouviu o telefone tocar, levantou-se do maple onde estava sentado e foi atendê-lo na sua secretária. -Tudo bem, obrigado. Após uma curta pausa para ouvir o seu interlocutor, GC puxou uma folha de papel e escreveu um nome. -Já sabia que ele nos ia nomear esse árbitro. Fui eu que lho pedi pessoalmente. Sabe, o jogo é importante e não podemos arriscar... OK! Até logo e obrigado. Era o Ariano Pinto - disse GC. -Ele está a ajudar-nos bastante. -Que remédio ele tem. Se não fosse assim, tirava-lhe o tapete. -Mas ele ajudou-nos bastante no início e pode ajudar-nos ainda mais. -Sei perfeitamente que tenho aprendido muito com ele. No início, foi o Ariano que me abriu os olhos e me ensinou que caminhos devia percorrer para ganhar os títulos que ganhámos. Mas agora quem manda no futebol sou eu. A força está do nosso lado, e se ele não fizer o que mandamos, não tenhas dúvidas que lhe tiro o tapete, e ele sabe disso. Reginaldo Teles lembrou-se do quanto Ariano Pinto era importante em toda a estratégia estabelecida. Só a sua amizade já era bom para o negócio que começou a ser montado (...)”.
Continua...
Nota: Qual quer semelhança com a realidade é pura coincidência.

3 comentários:

Ricardo G. fmshark disse...

arrebumbas eu vou de ferias amanha para la spana achas que consegues acabar isto hoje ou vou ter de ler o fim quando voltar??

abraços gloriosos

arrebumbas disse...

Amigo Ricardo,

Ainda agora a procissão vai no adro.
Vais ter que ler quando voltares.
Boas férias!

Benfica Sempre, mesmo depois da morte!

Anónimo disse...

Caro Arrebumbas:
Será que ninguém da PJ lê este teu magnifico Blog... e já agora porque é que não vão fazer umas perguntitas para os lados do Douro?
Será que a Judite (uma amiga minha do Porto) também está infiltrada?(no joelho digo eu...)Fico a aguardar o desenrolar desta maravilhosa fábula.Continua, que nunca te doam os dedos para teclar...