origem

sexta-feira, 20 de julho de 2007

O POLVO (11ª Parte)

Continuação

”(...) Galo da Costa tinha vindo de boas famílias, mas era criticado pelos seus parentes, devido ao relacionamento que tinha no mundo da bola. A sua inteligência não deixava dúvidas e, unindo esse factor à facilidade com que Reginaldo se movimentava no mundo do crime, formava com Teles uma dupla quase imbatível. Reginaldo Teles só possuía a cultura adquirida na tasca do seu tio, e o seu discurso só tinha êxito no bas-fond da cidade. As entrevistas que ia dando só podiam ser concedidas a jornalistas da sua confiança, para que a sua ignorância não se manifestasse com tanta evidência, mas era eficiente nas jogadas de bastidores, e era nessa qualidade que Galo da Costa o aproveitava. Não podia, porém, nem responder nem servir de escudo para os ataques vindos de outros clubes cujos dirigentes conheciam muito bem a sua actividade. Para além de não possuir a capacidade de GC, tinha muitos rabos de palha, e quando surgia em maior evidência nunca conseguia retirar muitos efeitos mediáticos. A sua grande mágoa era ainda não ter podido encontrar um negócio que lhe desse tanto dinheiro como os alternos. Muitas vezes lamentava-se com os seus amigos. -Tenho de acabar com esta merda. Até os colegas dos meus filhos na escola dizem que eu vivo das putas, que sou um chulo. Mas o dinheiro ganho com facilidade sempre superou essas mágoas e também não podia prescindir dos serviços da sua mulher, pois ela era uma «expert» no assunto e o segredo do êxito do bar de alternos. -É que isto de lidar com putas não é tarefa fácil para ninguém. Ou temos os olhos bem abertos ou somos comidos indecentemente. A minha mulher conhece o negócio como ninguém e todos os truques. Já não é comida com facilidade - consolava-se Reginaldo, nas noites de maior angústia, quando tentava ler uma obra de Eça de Queirós.
Quem não dava muita importância a essa situação era Galo da Costa. Para ele, até era bom que o seu amigo de maior confiança tivesse boas putas. Quantas mais ele tivesse, mais ele comia, e o bar sempre era um local de bom chamamento para os seus negócios menos lícitos. Galo da Costa já tinha tido dissabores com alguns desses negócios, e os da arbitragem começavam a ser muito denunciados, mas como o dinheiro desse sector era muito e fazia falta, havia que se estabelecer um novo plano de ataque. As despesas eram muitas e, depois de falidas as empresas em que ele tinha gasto tantos milhões, quase toda a gente já sabia que ele vivia somente à custa da influência que o seu clube lhe fornecia para certos negócios. De vendedor de fogões a empresário falido, GC tinha, porém, a certeza de que o mais importante estava feito: o seu clube ia na crista da onda, e o cartão de crédito que tinha no bolso não tinha tecto. Afagando-o, GC acabou por adormecer embalado por um pensamento reconfortante: «Antes um bomVisa que um bis».
Reginaldo Teles trabalhava no mundo da arbitragem com um certo à vontade. Comprava e vendia com a maior das facilidades. Sentia-se seguro e acabava por cometer erros que, acumulados, se iam tornando perigosos, não obstante usufruir de uma grande cobertura judicial, desportiva e política, situações que eram consubstanciadas através de favores concedidos em todas estas áreas, tendo como referência o poder do seu clube. A bandeira do Norte era içada defendendo um regionalismo recheado de hipocrisia. Esta era a forma de arregimentar a força do povo nortenho quando era necessário sair em defesa de interesses meramente pessoais. Pois se os títulos e os golos eram importantes para os fervorosos adeptos do seu clube, eram muito mais para eles, porque era essa força que servia de suporte aos negócios marginais. Galo da Costa tinha consciência de que no futebol eram autorizados, por parte dos adeptos, alguns jogos obscuros de bastidores. A vitória era importante e combatia-se dentro e fora dos relvados. Alguns adeptos até denunciavam um certo gosto pela habilidade nata com que alguns dos seus dirigentes se movimentavam nos bastidores, mas também se sabia que nenhum deles aprovava que se retirassem benefícios em proveito próprio e muito menos utilizando o seu clube para isso. Mas como o clube ia ganhando... Começaram a surgir algumas denúncias, e uma maior cautela era a medida a tomar com uma certa urgência. Andar a negociar árbitros a retalho era perigoso de mais. Os movimentos multiplicavam-se, e os riscos aumentavam. Alguns jornalistas não se deixaram dominar pelo medo e acabaram por sofrer emboscadas, sendo presenteadoscom alguns socos como medida de intimidação. Reginaldo Teles foi avisado e não parava de pensar como é que o negócio teria de ser conduzido para se acabarem com alguns boatos que começavam a tornar-se perigosos. Nem sequer equacionava poder vir a acabar com um comércio tão rentável. Tinha de encontrar uma solução mais eficaz e menos notada. Já se habituara a ganhar algumas centenas de contos semanalmente, e o seu vício pelo jogo no casino requeria grandes proventos. A ideia acabou por surgir através de um dirigente de outro clube que se tornara um grande cliente e que começou a entender a complexidade do negócio e a dificuldade em acudir a todos os pedidos. -Porque é que vocês não se dedicam a um ou dois clubes em vez de andarem a acudir a todos os fogos? Façam contas e vão verificar que o negócio se torna mais rentável, é mais seguro e não gera tantas confusões. Reginaldo Teles ouviu com atenção a observação, e, como dizia, a sua mioleira acendeu-se como um cockpit no momento da aterragem. Para arrefecer as ideias, pediu ao seu empregado que lhe trouxesse mais um whisky. -Mas com muito gelo. Saboreou durante largos minutos a sua bebida, elaborando mentalmente um novo plano de ataque. Olhou à sua volta e, ao verificar que uma das suas prostitutas se despedia de um cliente depois de lhe ter sacado duas garrafas de champanhe, fez-lhe um sinal e chamou-a. Ela olhou admirada e colocando o dedo indicador no meio do peito nu, bem dentro de um decote que ameaçava fazer-lhe saltar as mamas a qualquer momento, interrogou-se, encolhendo os seus lábios vermelhos e carnudos: -Eu?! Reginaldo passou a mão pelo rosto, fez rodar o copo entre os dedos para agitar o gelo e acenou com a cabeça, confirmando o chamamento. Rebolando a anca, atravessou a pista de dança e dirigiu-se a Reginaldo. -Senta aí. -Mas que luxo! Ser convidada para a mesa do patrão! -Cala-te e ouve. O George Gomes dormiu contigo esta noite? -Já sabe que sim. Ou ainda não lhe disseram que ando com ele? -Sei muito bem que andas com ele, e quero é saber onde o posso encontrar agora... neste momento. -Como ainda é cedo, deve ter passado por casa. Mas ele disse-me que vinha cá hoje. -A que horas? -Ai, isso não sei! Mas deve estar a chegar. -Se por acaso estiver ocupado na altura em que ele chegar, diz-lhe que eu quero falar com ele com urgência. -OK! É só isso? - disse a empregada antes de se retirar, ao mesmo tempo que puxava as mamas para cima e deitava o olho a um novo cliente. Reginaldo Teles dirigiu-se para o balcão onde estava a sua mulher a chamar a atenção de uma das suas empregadas. -Estás aqui para trabalhar e não para namorar. Estiveste na mesa daquele gajo e nem um copo lhe sacaste. Reginaldo Teles ia a pedir um pouco de calma à sua Lisa, quando viu George Gomes a entregar a sua gabardina ao porteiro. Fez-lhe logo sinal com a mão e, após uma breve troca de olhares, dirigiram-se para uma mesa mais recuada e sem barulho de música. Reginaldo apresentou-lhe a sua ideia para se avançar com uma nova forma de negócio. Ao fim de alguns minutos, estava tudo resolvido. Iam trabalhar com três ou quatro clubes de divisões inferiores e com um ou dois de primeira categoria, prometendo-lhes a manutenção. Desta forma, a acção não colidia com os interesses do seu clube muito pelo contrário: podia até sair beneficiada. Reginaldo estava tão entusiasmado com o negócio, que deixou George Gomes embasbacado quando lhe disse: -Isto não tem nada que saber. Vamos deixar de trabalhar jogo a jogo. Para correr tudo bem, necessitamos de tempo e organização. O clube que quiser subir contacta-nos com tempo, fazemos o preço e temos todo o campeonato para tratar do assunto. Desta forma, podemos jogar com algumas falhas e colmatá-las com outras jogadas e outros intervenientes. George Gomes ouviu com atenção, mas ficou desconfiado, pois não lhe passava pela cabeça vir a perder dinheiro. Além do mais, ficava sem campo de acção para algumas das suas jogadas em que prometia levar o dinheiro a alguns árbitros e nem sequer os contactava. Mas Reginaldo descansou-o. -O teu papel continua a ser o mesmo. Nós temos de trabalhar todas as semanas, temos de fazer os nossos contactos, só que desta forma a massa vem dos clubes antecipadamente. No início do campeonato estabelecemos um preço de subida e, como em negócios destes não há crédito, eles dão-nos o dinheirinho adiantado e nós é que gerimos a situação. -E já tens algum cliente? Estamos a mais de meio do campeonato, e até ele acabar não vamos ganhar mais nenhum? - perguntou George Gomes, preocupado e ainda confundido com esta nova situação. Mas Reginaldo não perdeu tempo, expondo-lhe novos pormenores do negócio: -Estamos em Março, e é a partir de agora que começam as grandes confusões. Estive a falar com o presidente de um clube que está à rasca. Não quer descer e, como dinheiro é coisa que não lhe falta, vamos arrancar com esse negócio. Amanhã vais falar com ele, apalpas a situação e, se o vires interessado, combina com ele um encontro aqui no bar, que depois eu faço o resto. Trata disso sem falta amanhã, que eu agora vou até ao casino aumentar a minha fortuna. -Já vais foder o dinheiro todo nessa merda. Assim, não há negócio que resista -lamentou-se o George. Na tarde seguinte, George Gomes fez o seu contacto; falou com o presidente do tal clube que não queria descer e, vendo que este se mostrou interessado no negócio, marcou encontro para essa noite.
Reginaldo Teles escolheu duas das suas melhores mulheres, avisou Lisa de que naquela noite iria aparecer um bom cliente e deu instruções para que nada faltasse, porque estava em perspectiva um bom negócio. Quando ia a sair, disse a Lisa para ela falar com as duas empregadas, avisando-as de que, se fosse necessário, elas sairíam com esse cliente. -É que ele gosta de ter mais que uma mulher na cama, e é bom que ele saia daqui satisfeito. Nessa noite, Reginaldo Teles chegou atrasado ao bar, mas fê-lo de propósito, para queas suas duas empregadas tivessem tempo de levar o cliente ao ponto que ele queria. Quando fez a sua entrada, a situação já estava a ser controlada por George Gomes. -Ele está no ponto de rebuçado. -É assim mesmo que eu o quero. Após estas palavras, Reginaldo dirigiu-se para a mesa do seu convidado e disse, com um ar de não total inocência: -O presidente está bem acompanhado! Ambos trocaram um sorriso e compreenderam que tinha chegado a altura de ficarem sozinhos para tratar de negócios. As duas mulheres, após um ligeiro sinal, levantaram-se da mesa sob o argumento de que tinham de ir à casa de banho recompor a maquilhagem, mas prometendo voltar logo que se acendesse a luz verde... Reginaldo Teles começou a falar da situação aflitiva em que estava o clube do seu interlocutor, passando de imediato àquilo que mais interessava e que tinha proporcionado aquele encontro. -Estive ontem a pensar na vossa situação e cheguei à conclusão de que, se não houver um trabalho a sério, vocês vão direitinhos. -Nós também temos consciência disso. -Ainda ontem um presidente veio ter aqui comigo para ver se eu o ajudava a sair de uma situação como a vossa, mas eu não lhe disse nada até falar consigo. Se vocês quiserem, prefiro ajudar o vosso clube. Sempre é da nossa associação (Porto). -Claro que queremos, mas também não temos muito dinheiro para gastar. -Estive a fazer contas e penso que, com 50 mil contos, podemos controlar a situação até ao final do campeonato. Mas, atenção, que este dinheiro também é para ser investido no campo do adversário. -Com 50 mil contos, vocês garantem-nos a manutenção? -Quase a 100 por cento. -Quase? -Sim, quase, porque a bola, que eu saiba, continua a ser redonda... -E como é que vamos pagar esse dinheiro? -Em três tranches. Dez mil agora e mais duas de vinte mil quando virmos que é necessário o investimento. -Está combinado. O George Gomes pode passar lá amanhã pelo meu escritório e já traz o cheque dos 10 mil. Estava em curso uma nova forma de negociar, e pelos vistos mais segura, para além das vantagens que isso trazia. Com aqueles 50 mil contos podia fazer-se muita coisa, uma das quais era tentar atrasar os mais directos adversários do clube de Reginaldo Teles. Quando estes fossem jogar com o clube que tinha pago os 50 mil contos, investia-se nessa situação. Com um tiro matava dois coelhos: o seu clube adiantava-se em termos de pontos, e o seu cliente ficava bem servido. Só que o egoísmo levou-os a cometer novos erros. O dinheiro era fácil e gastava-se ainda mais facilmente. Reginaldo pedia cada vez mais e investia cada vez menos. Estava ciente do poder que tinha e jogava com algumas promessas de árbitros em termos de classificação no ranking final, pagando cada vez menos em dinheiro e fazendo prevalecer outras situações de favor. Alguns árbitros contentavam-se com isso, mas outros arriscavam e, sabendo que eles estavam a ganhar dinheiro com os seus favores, exigiam a quota parte deles. Surgiram então algumas ameaças de despromoção, e não faltaram desentendimentos, assim como processos de pura chantagem, ao melhor estilo de um filme que George Gomes um dia alugou no clube de vídeo da esquina, «O Padrinho». Mas como o tempo não parava e a bola se revela teimosamente redonda, as coisas complicaram-se, até que se chegou ao final do campeonato, e o clube que tinha investido 50 mil contos para não descer jogava a sua última cartada em 90 minutos de futebol. Reginaldo Teles multiplicou-se em acções, jogando em vários campos, mas era tarde de mais para controlar todas as situações. Havia que investir em vários jogos, e o dinheiro tinha sido gasto no casino e noutros negócios. Mesmo assim, ainda tentou outras soluções, mas os adversários mais directos não andavam a dormir e também tomaram as suas precauções (...)”.

Continua...

Nota: Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência.
Nota 2: Tal como aconteceu na semana passada e para não cansar os nossos leitores, a publicação de O POLVO só voltará a ser postada na próxima segunda-feira. Até lá, convido todos os que leram desde a 7ª à 11ª -e porque não também da 1ª à 6ª - parte a postarem um comentário sobre o que acham desta mirabolante história.

1 comentário:

Tiagojcs disse...

vale a pena ler !

Excelente texto .

http://catedraldapalavra.blogspot.com/